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O PÁSSARO AZUL
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Ilustrção de Marcello Araujo

ACTC
Associação de Assistência a Criança Cardíaca

Contação de Histórias
A ACTC recebeu com muita gratidão uma doação especial! A arte-educadora Clarice Schcolnic , que atua em diferentes instituições, contando histórias para crianças, adultos e para a terceira idade, doou alguns de seus belíssimos contos para a entidade.
Desde então, publicamos periodicamente, neste espaço, essas histórias que misturam arte e poder de transformação, desenvolvendo a imaginação e auxiliando as pessoas, principalmente

as crianças, a organizar e expressar melhor suas idéias.

Momento do parceiro informativo ACTC

O PÁSSARO AZUL
Criança não tem sorte! Já imaginou ter que passar suas férias na casa de uma avó e um bisa que é cego e nem tem televisão? Pois é. Assim seriam minhas férias. A única distração era um rádio antigo tocando música em AM.
Logo no primeiro dia, depois do almoço, saí andando para ver se achava algo interessante. Encontrei a avó e o bisa sentados em um banco, no meio de um jardim muito mal cuidado.
Resolvi brincar de esconder com eles. Aproximei-me sem que percebessem. Ela parecia descrever alguma coisa. Prestei atenção à conversa:
– O céu está bonito hoje. Cores suaves.
Não estava cinza?
– Tem uma criança empinando pipa por aqui. O desenho dela lembra o escudo do seu time de futebol.
Pipa? Cadê?
- As rosas desabrocharam. Estão bem do seu lado. Lembra quando plantamos no ano retrasado? Nunca estiveram tão maravilhosas! Pera aí, aquilo eu conheço! São flores do mato e muito das sem vergonha. Ora, essa! Ela estava mentindo! Como podia enganar um pobre ceguinho? E todos os dias era do mesmo jeito. Sentavam naquele banco e a vovó descrevia coisas inexistentes.
Uma tarde ela veio falar comigo:
- Você passearia com seu bisavô? Hoje
estou tão atarefada...
- Prefiro não ir. - Respondi, surpreso
com a proposta.
- Por que?
– É que acho complicado.
– Por ser cego?
Fiquei sem jeito.
– É, né...
– Bobagem, quem vai te levar é ele.
Fui.
O bisa tinha a mão grande, toda enrugada. Pegou na minha com força. Sabia todo o caminho e, ás vezes, ainda dizia:
– Cuidado com o degrau. Não vá tropeçar.
Pensei em fechar os olhos também, para sentir como era. Desisti.
Quando sentamos, ele falou:
– E então? Me conte o que vê. Com certeza, se eu dissesse a verdade iria decepcioná-lo. Fiquei quieto.
– Escutou, meu filho?
– Um pássaro?
– Sim. Como ele é?
– Sei lá. Não vi.
– Como imagina que seja?
– Azul, pequeno - arrisquei.
– Raro, muito raro. E por que canta?
– Está feliz, ou procurando alguém...
– Também acho. Na primavera costumam namorar muito. Deve haver um ninho por aqui. Onde está?
– Onde?
– É. Você pode ver, não pode? Em qual destas árvores?
E ele ainda apontava direitinho para todas elas.
– Acho que... naquela. - Mostrei a mais frondosa.
– Com certeza. Um bom lugar para fazer ninho. Pássaro esperto. Será que já tem ovos? Quantos você acha?
– Três, talvez. - Eu nunca tinha muita certeza ao dar as respostas, mas ele parecia
concordar com todas.
– Por aqui dá muita cobra. Tomara que não achem esses ovos. São muito raros os pássaros azuis. Quer voltar?
– Se quiser, a gente fica.
Mais tarde, ao regressarmos, o bisa falou:
– Adorei passear com você. Podemos repetir mais vezes.
Também tinha gostado. Só nos restavam quatro dias. Em todos eles saímos para passear juntos. O bisa sempre pedia que eu observasse a árvore com o ninho dos pássaros azuis, e lhe contasse o que estava acontecendo. No último, me empolguei:
– Eles nasceram! Os filhotes! Eram três mesmo. E tão pequenos!
O bisa pareceu triste. Será que eu havia dito algo de errado?
– Agora, eles vão embora. Como você. Sentirei saudade.
O que eu poderia dizer para alegrá-lo? Tive uma idéia. Não seria fácil, mas arrisquei.
– Não me lembro direito, parece que um dia eu vi num livro, lá em casa, né, que...
Bom... É que... Os pássaros azuis... Muito raros... Então eu li... Bem, sempre voltam
para o lugar onde nasceram. A vovó, com certeza, quando vocês vierem para esse lindo
jardim, vai avisar para o senhor, porque ela também vê, que nem a gente.



Clarice Scholnic



E vão chegando em nossas mãos arquivos que julgávamos perdidos...

Sombras e brincadeiras Quem pensava que sombras não passavam de efeitos físicos descobriu nas oficinas de Teatro de Sombras que é possível trabalhar vários tipos de efeitos para criar histórias. Realizadas no Sesc Pinheiros pela educadora e contadora de histórias Clarice Schcolnic, as oficinas reuniram crianças dos quatro aos doze anos, além de seus pais. A partir do trabalho com o corpo e sua integração com diversos tipos de luz, os participantes criaram histórias apresentadas ao final de cada oficina. Segundo Clarice, "a sombra é um excelente recurso para o faz-de-conta, é onde tudo é possível.